RESUMO: A Lei 14.382/2022 trouxe significativas alterações em diversas leis, como as de Registros Públicos, Condomínio Edilício, Incorporações e Parcelamento do Solo Urbano. Uma dessas alterações está relacionada ao art. 216-B da Lei 6.015/1973, o qual introduziu a possibilidade de adjudicação compulsória por meio extrajudicial. Inicialmente, buscou-se delimitar os aspectos fundamentais da adjudicação compulsória, a fim de contextualizar o leitor no tema, examinando seu conceito, natureza e regime jurídico, assim como os requisitos que delineiam esse instituto. A questão da necessidade de ata notarial foi abordada de forma distinta em relação à usucapião pela via extrajudicial (prevista no art. 216-A da Lei de Registros Públicos). Diante da ausência de regulamentação específica do procedimento, foi sugerido o uso analógico de procedimentos já existentes no âmbito nacional. Além disso, foram abordadas as situações conflituosas relacionadas a essa questão, a qual abrange cerca de um terço dos litígios na área cível do Judiciário Paulista, com amplas repercussões em todo o país. Por fim, foi apresentada a forma como a adjudicação compulsória é inserida na matrícula imobiliária e foram levantados os dilemas a serem enfrentados a partir de então, considerando essa nova modalidade extrajudicial.
1. INTRODUÇÃO
A Lei 14.382/2022, que antes era a Medida Provisória 1.085/2021, passou por um processo legislativo conturbado, com várias alterações feitas durante sua tramitação no Congresso Nacional e posterior sanção presidencial. Apesar dos dispositivos vetados, a lei está atualmente em vigor.
A ideia central por trás da lei, impulsionada pela Presidência da República com base em subsídios do antigo Ministério da Economia, é modernizar e simplificar os procedimentos e atos realizados nos Registros Públicos Nacionais. O objetivo principal é conferir efetividade aos atos e negócios jurídicos previstos na Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) e impulsionar as incorporações imobiliárias, reguladas pela Lei dos Condomínios Edilícios e Incorporações Imobiliárias.
As modificações introduzidas estão alinhadas a outras leis recentes, como a Lei de Liberdade Econômica e a Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios, e estão relacionadas ao Projeto de Lei 4.188/2021, conhecido como Lei das Garantias.
Esse conjunto de normas está em consonância com a tendência de desjudicialização de procedimentos consensuais, desde que não envolvam incapazes ou direitos indisponíveis. Nessas situações, a jurisdição é o ambiente adequado para buscar a paz social e o bem comum.
O artigo 216-B, inserido pela Lei 14.382/2022 na Lei de Registros Públicos, é uma das alterações realizadas nesse contexto. Ele está em conformidade com o ambiente legislativo e estabelece a possibilidade de adjudicação compulsória de um imóvel por meio de um procedimento extrajudicial facultativo. O resultado desse procedimento é o registro de promessas de venda ou suas cessões, promessas de cessões ou sucessões, que serão efetivadas por meio de um procedimento administrativo no Registro de Imóveis da circunscrição onde o imóvel está localizado.
A Lei 14.382/2022 introduziu essa novidade sem regulamentar o procedimento extrajudicial, tornando necessário que o intérprete recorra à integração normativa até que a Corregedoria Nacional de Justiça ou as Corregedorias Estaduais forneçam direcionamento. Isso já ocorreu em São Paulo por meio do Provimento CG 06/2023 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, emitido pelo Desembargador Dr. Fernando Antonio Torres Garia, que o inseriu no Capítulo XX, do Tomo II, das Normas de Serviço.
2. CONCEITO
O conceito de adjudicação compulsória envolve a atribuição forçada da propriedade de um imóvel. A palavra “adjudicação” refere-se ao ato de atribuir ou transferir a propriedade de um bem, enquanto “compulsória” indica a compulsão ou obrigatoriedade de realizar uma obrigação imposta por uma decisão judicial.
A adjudicação compulsória ocorre quando uma das partes envolvidas em um contrato de compra e venda de imóvel, seja o comprador compromissário, vendedor, cessionário, promitente cessionário ou seus sucessores, não cumpre a obrigação contratual de transferir a propriedade do imóvel. Nesse caso, é possível que a parte prejudicada busque a substituição volitiva da parte inadimplente por meio de uma decisão judicial ou extrajudicial.
Em outras palavras, a adjudicação compulsória é uma forma de forçar a transferência da propriedade do imóvel diante da recusa de uma das partes em cumprir a obrigação estabelecida previamente no contrato.
3. NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica da adjudicação compulsória envolve a substituição de declarações de vontade por autoridade jurisdicional ou, atualmente, por meio de procedimento extrajudicial. É um meio de cumprimento de obrigações de fazer quando há a recusa em lavrar a escritura definitiva decorrente de promessas de venda ou suas cessões.
No âmbito judicial, a adjudicação compulsória está prevista no artigo 501 do Código de Processo Civil, sendo considerada uma espécie de sentença em ações de obrigação de fazer. Já no âmbito extrajudicial, é um procedimento administrativo para dar efetividade a um título, por meio do requerimento do promitente vendedor e comprador, cessionários, promitente cessionários e sucessores, a fim de substituir o cumprimento da obrigação pela lavratura de escrituras públicas.
Assim, a adjudicação compulsória é uma declaração substitutiva emitida por autoridades judiciais ou oficiais de registro imobiliário da circunscrição onde o imóvel está localizado. Tem natureza de ação pessoal constitutiva e depende da eficácia translativa do registro imobiliário. O compromisso de compra e venda, assinado previamente, estabelece a carga volitiva, e a escritura pública, após o pagamento integral das parcelas do contrato, é apenas uma ratificação.
No procedimento extrajudicial, trata-se de uma execução específica ou direta sobre a coisa vendida, sendo realizado por meio de requerimento ao Registro de Imóveis da circunscrição imobiliária onde o imóvel está situado.
A adjudicação compulsória pode ser aplicada não apenas em promessas de venda, mas também em suas cessões e promessas de cessão para transmissão de imóveis. É comum em casos em que os compradores estão desinteressados em arcar com tributos, emolumentos e despesas, muitos dos quais são propter rem.
Quanto à natureza do compromisso de compra e venda registrado, há divergências na doutrina. Alguns entendem que se trata de uma obrigação de fazer, enquanto outros defendem que é uma obrigação de dar, excluindo a caracterização de pacto in contrahendo em relação ao compromisso de compra e venda.
Em suma, a adjudicação compulsória, seja por via judicial ou extrajudicial, é uma forma de cumprimento de obrigações de fazer quando há recusa em lavrar a escritura definitiva decorrente de promessas de venda. Ela possui natureza constitutiva, sendo imprescritível no caso da via judicial.
4. REGIME JURÍDICO
O regime jurídico da adjudicação compulsória tem suas bases no Código Civil de 1916 e no Decreto-Lei nº 58/1937. Anteriormente, o sistema de transmissão de imóveis no Brasil era baseado no princípio do título, em que bastava o consenso entre as partes para ocorrer a transferência ou oneração do imóvel. No entanto, o Código Civil de 1916 substituiu esse modelo pelo sistema do título e do modo, influenciado pelo Código Civil da Alemanha.
Segundo o novo sistema, o negócio obrigacional apenas obriga as partes envolvidas, enquanto a transmissão da propriedade ocorre por meio do modo, que é a tradição para bens móveis e o registro para bens imóveis. A propriedade é desconstituída e restituída ao titular em casos de vícios no negócio obrigacional.
No contexto de loteamentos e venda de terrenos em prestações, as transações realizadas não transferiam o domínio ao comprador devido à possibilidade de arrependimento antes da assinatura da escritura de compra e venda, conforme previsto no artigo 1.088 do Código Civil de 1916. Isso deixava os compradores sem proteção, dependendo apenas da seriedade e solvabilidade dos empreendedores.
Para garantir a segurança das transações de compra e venda de lotes, foi promulgado o Decreto-Lei nº 58/1937, que instituiu o compromisso de compra e venda e a obrigatoriedade de registro, conferindo direito real ao promitente comprador. Esse direito real foi efetivamente estabelecido pela Lei nº 649/1949, que pôs fim às práticas questionáveis de vendas de lotes em prestações.
Com a promulgação do Código de Processo Civil de 1939 e posteriormente a Lei nº 6.014/1973, o procedimento de adjudicação compulsória passou a ter um rito especial. No entanto, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil em 2015, o procedimento seguiu o rito comum.
Em resposta à crise econômica e à pandemia da COVID-19, o legislador publicou a Lei nº 13.786/2018 (conhecida como Lei do Distrato) para proteger os promitentes vendedores, permitindo a retenção de parte das parcelas pagas em caso de desistência do comprador.
Os artigos 216-B e 251-A da Lei de Registros Públicos foram introduzidos pela Lei nº 14.382/2022 como uma forma de desjudicializar procedimentos nos quais haja consenso entre as partes sobre direitos disponíveis, simplificando e modernizando os Registros Públicos.
No caso de inadimplemento do compromisso de compra e venda, a adjudicação compulsória é uma opção quando todas as prestações são pagas pelo comprador e o imóvel é entregue pelo vendedor, mas há a recusa em outorgar a escritura definitiva. O artigo 251-A da Lei de Registros Públicos permite a rescisão contratual no próprio Registro de Imóveis no caso de inadimplemento das parcelas.
É importante destacar que o presente tema aborda apenas a adjudicação compulsória, enquanto outras oportunidades podem ser exploradas para discutir outros aspectos relacionados ao tema.
5. REQUISITOS
Para dar início ao procedimento de adjudicação compulsória, é necessário apresentar um requerimento ao Registro de Imóveis da circunscrição onde o imóvel está localizado, ou onde se encontra a maior parte dele. Esse requerimento deve atender aos requisitos legais estabelecidos.
Os requisitos específicos para o requerimento de adjudicação compulsória podem variar de acordo com a legislação aplicável e as normas locais do Registro de Imóveis. Portanto, é importante consultar as regras específicas da circunscrição em que o imóvel está registrado para conhecer os requisitos exatos.
No entanto, é comum que o requerimento de adjudicação compulsória inclua informações como:
1. Identificação das partes envolvidas: é necessário fornecer os dados completos do promitente vendedor, comprador, cessionários, promitente cessionário ou seus sucessores.
2. Descrição precisa do imóvel: é preciso fornecer informações detalhadas sobre o imóvel objeto da adjudicação, como sua localização, características físicas, dimensões, entre outros dados relevantes.
3. Prova do cumprimento das obrigações: é necessário comprovar que todas as obrigações estipuladas no contrato de compromisso de compra e venda foram cumpridas, incluindo o pagamento integral das parcelas, a entrega do imóvel pelo vendedor, entre outros requisitos contratuais.
4. Outros documentos relevantes: dependendo das exigências locais, pode ser necessário apresentar outros documentos, como cópias do contrato de compromisso de compra e venda, comprovantes de pagamento, procurações, entre outros.
É importante ressaltar que os requisitos específicos podem variar, portanto, é recomendável consultar a legislação aplicável e obter orientações junto ao Registro de Imóveis competente para garantir o correto cumprimento dos procedimentos e a apresentação adequada dos documentos necessários.
5.1. REQUISITOS SUBJETIVOS
No procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, os seguintes requisitos subjetivos devem ser observados:
1. Legitimação: São legitimados a requerer a substituição de vontade no procedimento de adjudicação compulsória o promitente vendedor quando o promitente comprador não se prontificar a efetuar a transmissão do título quitado de um imóvel. Além disso, os promitentes compradores, cessionários, promitente cessionário e seus sucessores também têm legitimidade para iniciar o procedimento, desde que o contrato definitivo esteja quitado e comprovada a mora.
2. Outorga marital ou uxória: É necessário que seja obtida a outorga marital ou uxória, salvo nos casos de separação convencional absoluta.
3. Pessoa jurídica: No caso de pessoa jurídica, é necessário mencionar no requerimento o nome empresarial, a sede social, o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e o NIRE (Número de Identificação do Registro de Empresa), atribuído pela Junta Comercial, ou os dados do registro constitutivo no Oficial de Registro Civil de Pessoa Jurídica. Além disso, deve ser demonstrada a cláusula atributiva de poderes para quem representa a entidade, juntamente com os limites e eventuais autorizações dos sócios, quotistas ou Conselho de Administração.
4. Representação por advogado: O requerimento deve ser representado por advogado, comprovado por procuração com poderes específicos. A firma do advogado não precisa ser reconhecida por tabelião de notas ou agente público.
É importante ressaltar que alguns requisitos específicos podem variar de acordo com a legislação aplicável e as normas do Registro de Imóveis da respectiva circunscrição. Portanto, é recomendável consultar as regras locais para garantir o correto cumprimento dos requisitos subjetivos do procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória.
5.3. REQUISITOS DO TÍTULO
Os requisitos do título para o procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória incluem:
1. Instrumento de promessa de compra e venda, cessão ou sucessão: O requerimento deve ser instruído com o instrumento de promessa de compra e venda, cessão ou sucessão, conforme o caso. Esse instrumento deve ser irretratável, ou seja, não pode conter cláusula expressa de arrependimento.
2. Prova do cumprimento das prestações: Deve ser comprovado o cumprimento das obrigações contratuais, seja pelo compromissário comprador, demonstrando o pagamento das prestações, seja pelo compromissário vendedor, com a entrega do bem e a notificação ao comprador para lavrar a escritura definitiva ou entregar a quitação, no caso de loteamentos regidos pela Lei 6.766/1979.
3. Mora comprovada: É necessário comprovar a mora do promitente vendedor ou comprador. Isso pode ser feito por meio de interpelação extrajudicial, realizada via Registro de Imóveis, ou por solicitação do oficial do Registro de Imóveis ao Registro de Títulos e Documentos do local do imóvel e do domicílio da parte inadimplente.
4. Certidões dos distribuidores forenses: Deve ser apresentada certidão dos distribuidores forenses que demonstre a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação. Essas certidões devem abranger a situação do imóvel e o domicílio do requerente.
É importante ressaltar que a existência de processos judiciais não impede necessariamente o procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, desde que esses processos não estejam relacionados ao imóvel objeto do procedimento ou ao título apresentado. O oficial de registro pode desconsiderar esses processos se não representarem um risco comprovado.
Além disso, a Lei 14.382/2022 trouxe uma solução específica para o registro das incorporações imobiliárias, permitindo a substituição da certidão de ação cível ou penal por impressão do andamento do processo digital, desde que demonstre de modo suficiente o estado do processo e a repercussão econômica do litígio.
Cabe ao oficial de registro avaliar o consentimento entre as partes e identificar possíveis fraudes ao sistema notarial e registral. Em caso de identificação de fraude, o oficial deve expor os fatos, a motivação e impedir o procedimento extrajudicial, evitando a descaracterização do sistema do título e do modo de transmissão de bens.
É importante consultar as normas específicas do Registro de Imóveis da circunscrição onde o imóvel está localizado para verificar se existem requisitos adicionais ou particularidades a serem observadas no título para o procedimento de adjudicação compulsória.
5.5. APLICAÇÃO POR ANALOGIA
De fato, o Código Civil estabelece que as normas da compra e venda são aplicáveis à permuta. Dessa forma, as regras e requisitos que se aplicam ao compromisso de compra e venda também são válidos para as promessas de permuta.
Nesse sentido, o procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória pode ser aplicado analogicamente às promessas de permuta. Caso ocorra recusa em cumprir a obrigação de realizar a permuta, os mesmos requisitos e procedimentos poderão ser utilizados para buscar a adjudicação compulsória do imóvel objeto da promessa de permuta.
Assim, o requerimento, os requisitos subjetivos, os requisitos do título e demais aspectos do procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória podem ser aplicados à promessa de permuta, desde que observadas as particularidades desse tipo de negócio jurídico. É importante consultar as normas específicas do Registro de Imóveis da circunscrição onde o imóvel está localizado para verificar se existem regras adicionais ou particularidades relacionadas à promessa de permuta.
5.6. REQUISITOS CAUSAIS
Os requisitos causais para a adjudicação compulsória estão relacionados ao inadimplemento da obrigação de celebrar o título de transmissão da propriedade plena no prazo quinquenal, bem como à venda do imóvel a terceiro.
No primeiro caso, o inadimplemento ocorre quando não é celebrado o título de transmissão da propriedade dentro do prazo de cinco anos, contado a partir da entrega da notificação extrajudicial realizada pelo oficial do registro de imóveis da localidade do imóvel. O oficial pode delegar essa diligência ao oficial do registro de títulos e documentos. É importante ressaltar que esse prazo quinquenal foi estabelecido pela Lei 14.382/2022.
A quitação das parcelas do compromisso de compra e venda é um pressuposto para a aplicação e efetividade da adjudicação compulsória. Dessa forma, é necessário que o compromissário comprador esteja em dia com o pagamento das prestações estipuladas no contrato.
No caso da venda do imóvel a terceiro, na via judicial ocorre o litisconsórcio necessário entre o vendedor e o terceiro adquirente, e a boa-fé do terceiro não pode ser alegada como defesa, uma vez que o compromisso de compra e venda, em tese, está registrado no registro de imóveis.
Na via extrajudicial, embora não seja uma situação improvável, é importante que o compromisso de compra e venda esteja devidamente registrado no registro de imóveis. Nesse caso, o terceiro adquirente tinha ciência da existência desse ônus real sobre o imóvel. No entanto, a posse do imóvel exigirá uma ação judicial de imissão na posse para que o compromissário comprador possa utilizar e usufruir do imóvel.
Em resumo, os requisitos causais para a adjudicação compulsória são o inadimplemento na celebração do título de transmissão da propriedade no prazo quinquenal e a venda do imóvel a terceiro.
5.6. REQUISITOS OBJETIVOS
Os requisitos objetivos, também conhecidos como especialidade objetiva, dizem respeito à correta identificação e descrição do imóvel no registro imobiliário. Esses requisitos são fundamentais para garantir a segurança jurídica das transações imobiliárias.
No caso de imóveis urbanos, a identificação do imóvel deve ser feita de acordo com a descrição presente na matrícula ou transcrição do registro. Isso inclui informações como a localização, o nome do logradouro, o número do prédio ou lote, a quadra, a distância métrica de edificações ou esquinas mais próximas, bem como as confrontações e a área do imóvel.
No caso de imóveis rurais, além dos requisitos mencionados acima, é necessário exigir o Cadastro Ambiental Rural (CAR), conforme previsto na Lei 12.651/2012. Também deve ser observada a reserva legal, que é a destinação de uma área do imóvel para fins de preservação ambiental, conforme estabelecido no artigo 12, § 8º da mesma lei.
Além disso, a partir da Lei 6.015/1973, quando houver o destaque de uma parcela de um imóvel rural, é necessário apresentar uma planta e um memorial descritivo assinados por profissional habilitado, contendo as coordenadas georreferenciadas dos vértices do imóvel, devidamente certificados pelo INCRA. Essa exigência é aplicada tanto nas ações judiciais quanto nos procedimentos extrajudiciais de adjudicação compulsória.
É importante ressaltar que a abertura de uma nova matrícula não é necessária quando ocorre o destaque de uma área adjudicada com pontos georreferenciados, sendo suficiente a retificação e apuração da área remanescente na matrícula original, sem a abertura de um novo registro.
Cabe ao oficial de registro de imóveis verificar todos esses requisitos objetivos tanto nos casos de ações judiciais como nos procedimentos extrajudiciais. Caso haja impugnação ou litígio entre as partes, o oficial poderá tentar promover a conciliação ou mediação. Caso não seja possível resolver a questão extrajudicialmente, a controvérsia deverá ser resolvida na via jurisdicional, observando-se os procedimentos próprios do processo.
No caso de imóveis rurais, é necessário também verificar se a fração mínima de parcelamento ou o módulo rural estão sendo respeitados. A Lei 4.504/1964 estabelece que nenhum imóvel rural pode ser desmembrado em áreas menores que o módulo da propriedade rural. A Lei 5.868/1972 reforça essa exigência, determinando que a transmissão de imóveis rurais não pode resultar em parcelas menores que o módulo ou a fração mínima de parcelamento fixada em lei.
Portanto, o registrador deve verificar o cumprimento desses requisitos na qualificação registral, especialmente no caso de imóveis rurais. Essas exigências visam garantir a segurança e a regularidade das transações imobiliárias.
5.7. REQUISITO FISCAL
O requisito fiscal no procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória refere-se à regularidade fiscal do promitente vendedor. Originalmente, o projeto de lei previa que o deferimento da adjudicação não dependia do prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão, nem da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.
No entanto, o veto presidencial alegava que o registro desses instrumentos e a comprovação do pagamento de impostos e tributos eram relevantes para as garantias dadas ao crédito tributário e previdenciário. O veto foi derrubado pelo Congresso Nacional, mantendo-se a desnecessidade de registro prévio dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão, bem como da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.
É importante ressaltar que, apesar da desnecessidade de registro prévio, a comprovação da quitação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos Reais (ITBI) ou da sua isenção pela municipalidade deve instruir o requerimento de adjudicação compulsória. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou sobre o fato gerador do ITBI, estabelecendo que ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro.
No entanto, o STF ainda vai reexaminar a possibilidade de incidência do ITBI sobre a cessão de direitos relativos a compromisso de compra e venda de imóvel. Portanto, essa questão será objeto de qualificação pelo registrador no procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória.
É importante destacar que, caso não seja possível exigir o ITBI do contribuinte, os registradores de imóveis respondem solidariamente nos atos em que intervierem ou pelas omissões. Assim, é fundamental que o registrador verifique a regularidade fiscal do promitente vendedor para evitar possíveis responsabilidades futuras.
6. A POSSE E A ATA NOTARIAL
No que diz respeito à posse, no procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, não é necessário verificar a posse ad usucapionem, ou seja, a posse mansa e pacífica, ininterrupta, como é exigido no procedimento extrajudicial de usucapião. Basta que o requerente demonstre ao tabelião de notas a existência do título, a comprovação do adimplemento e o descumprimento da obrigação de lavrar a escritura pública de outorga para que a manifestação de vontade descumprida seja suprida extrajudicialmente perante o registrador de imóveis.
A dificuldade de comprovar a quitação das obrigações pode ser suprida pelo interessado por meio de um procedimento simples de justificação, conforme previsto para o usucapião. É possível apresentar recibos antecedentes ao último, pois o último recibo faz presumir que os anteriores foram quitados, conforme estabelecido no artigo 322 do Código Civil.
No procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, recomenda-se que o requerimento seja apresentado ao oficial de registro de imóveis da circunscrição do imóvel ou da maior parte dele. O requerimento deve conter a notificação extrajudicial dirigida à parte responsável pela lavratura da escritura pública, exigindo o cumprimento da obrigação. Caso a parte permaneça em silêncio por um prazo de quinze dias úteis, o registrador certificará essa ocorrência nos autos do procedimento, e o requerente deverá proceder à lavratura da ata notarial.
A ata notarial, embora tenha sido objeto de veto, foi mantida como requisito para a adjudicação compulsória após o veto ser rechaçado pelo Congresso Nacional. A ata notarial atribui segurança jurídica à relação compromissada, por meio da fé pública do tabelião de notas. No entanto, a exigência da ata notarial pode encarecer e burocratizar o procedimento, contrariando o objetivo do sistema de registros públicos.
Uma vez que a documentação esteja em ordem e não haja impugnação ou que a impugnação tenha sido afastada, o oficial de registro de imóveis emitirá uma nota fundamentada de deferimento e procederá ao registro da adjudicação compulsória. Nesse ponto, não é possível levantar dúvidas sobre o registro.
O oficial de registro de imóveis indeferirá o pedido se constatar artifício, colusão para burlar requisitos notariais e registrais, exigências tributárias ou o disposto no artigo 108 do Código Civil. Da mesma forma, se a impugnação do requerido for fundamentada, o pedido será indeferido. Em caso de indeferimento, a prenotação será cessada e é possível levantar uma dúvida conforme o artigo 198 da Lei de Registros Públicos.
Os promitentes vendedores se beneficiarão com a transmissão do imóvel por meio da ata notarial e do procedimento extrajudicial no registro de imóveis. Eles não serão mais solidariamente responsáveis pelo pagamento das despesas relacionadas à titularidade do imóvel quitado. Isso beneficiará os empreendedores no fomento do mercado imobiliário.
É importante destacar que a interpelação da outra parte é um requisito fundamental no procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória.
7. NOTIFICAÇÃO
No procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, embora não haja previsão expressa na lei, é possível utilizar analogicamente a notificação, assim como ocorre nos procedimentos de retificação administrativa ou usucapião extrajudicial.
A notificação extrajudicial será realizada pelo registrador, pessoalmente ou por meio do Registro de Títulos e Documentos, dirigida ao promitente vendedor, cessionário ou promitente cessionário, bem como aos seus sucessores ou ao promitente comprador. A E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, por meio do Provimento CG 05/2023, ampliou as possibilidades de notificação, permitindo o uso de carta com aviso de recebimento.
Caso o notificado concorde em cumprir a obrigação, o procedimento será encerrado para a lavratura da escritura pública ou instrumento particular, conforme previsto no artigo 108 do Código Civil. Qualquer continuação do procedimento caracterizaria simulação, uma vez que a adjudicação compulsória pressupõe a recusa da outra parte.
No entanto, é necessário examinar com cautela o silêncio do notificado, uma vez que o silêncio pode ser interpretado como anuência em determinadas situações. Embora o brocardo “quem cala consente” não seja exato do ponto de vista jurídico, o silêncio pode representar consentimento quando a pessoa interpelada pode e deve responder.
Na ausência de previsão legal que estabeleça a presunção de que o silêncio é concordância com o procedimento, o direito fundamental de propriedade impedirá a realização do procedimento nos termos do artigo 216-B da Lei de Registros Públicos. Nesse caso, nada impede que o requerente opte pela conversão para o procedimento extrajudicial de usucapião, caso seja mais adequado à situação fática e preenchidos os requisitos.
Se o sujeito passivo não for encontrado, existem três maneiras de dar continuidade ao procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, conforme a doutrina. Se for apresentada a certidão de óbito do sujeito passivo legítimo, emitida pelo Registro Civil de Pessoas Naturais, ou a certidão de extinção da pessoa jurídica, emitida pela Junta Comercial ou pelo Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o procedimento pode prosseguir. O terceiro modo de continuidade é quando a localização do notificado é incerta ou desconhecida, certificada pelo oficial de registro ou escrevente autorizado em diligência.
Nesse caso, o registrador promoverá a notificação por edital, por meio de publicação em jornal local de grande circulação, por duas vezes, durante o prazo de quinze dias cada uma, conforme estabelecido para o procedimento extrajudicial de usucapião.
Se houver impugnação ao procedimento, descaracterizando a consensualidade, que é pressuposto do procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, a solução obrigatória será buscar a via judicial.
8. IMPUGNAÇÃO
No caso de impugnação apresentada pelo promitente vendedor, cessionário ou promitente cessionário, seus sucessores ou pelo promitente comprador, o registrador deve seguir o procedimento estabelecido pelas Corregedorias dos Tribunais Estaduais.
Por analogia aos procedimentos de retificação e usucapião extrajudicial, é recomendada a tentativa de conciliação ou mediação, conforme previsto no Provimento CN-CNJ nº 67/2018. Os resultados possíveis são a persistência da impugnação ou a sua resolução.
No caso de persistência da impugnação, o procedimento continua com a qualificação do requerimento, resultando em deferimento ou indeferimento. Caso a impugnação seja resolvida, um relatório circunstanciado é elaborado, e os autos do pedido de adjudicação compulsória, juntamente com o relatório, são entregues ao requerente mediante recibo.
Com base nessa documentação, o requerente poderá ingressar com uma ação judicial perante o juízo competente, ou seja, a comarca em que o imóvel está localizado.
Em algumas regulamentações estaduais, como exemplo, o Oficial de Registro de Imóveis pode considerar impugnações infundadas. Segundo as normas administrativas, uma impugnação é considerada infundada se: a) já foi examinada e refutada em casos semelhantes pelo juízo competente; b) o impugnante alega que a adjudicação compulsória causará prejuízo em sua propriedade sem indicar de forma plausível como e onde isso ocorrerá; c) não contém exposição, mesmo que sumária, dos motivos da discordância manifestada; d) trata de assunto completamente estranho à adjudicação compulsória.
Nesses casos, o Oficial rejeitará a impugnação imediatamente por meio de ato motivado, no qual constarão expressamente as razões para sua rejeição. O procedimento extrajudicial será continuado caso o impugnante não recorra dentro do prazo de 10 (dez) dias.
O impugnante pode apresentar recurso, apresentando suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis. Em seguida, o Oficial intimará o requerente para, se desejar, apresentar contrarrazões dentro do prazo de 10 (dez) dias. Os autos serão então encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente ou outro juiz competente.
Para controle interno e sem custos para o requerente, o oficial elaborará um relatório contendo todas as informações relevantes do procedimento, anexando uma cópia aos autos para conhecimento do Juiz Corregedor competente e fazendo uma anotação do envio na coluna de atos formalizados no Livro nº 1 – Protocolo.
Em seguida, o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente, que analisará apenas a pertinência da impugnação. O Juiz Corregedor Permanente examinará de imediato ou após uma instrução sumária a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis.
Caso a impugnação seja rejeitada, o Oficial de Registro de Imóveis dará continuidade ao procedimento extrajudicial. Caso a impugnação seja acolhida e os interessados sejam encaminhados às vias ordinárias, a prenotação será cancelada, e o procedimento será extinto de acordo com a decisão do juízo.
Esse é um caminho razoável para garantir a efetividade das notificações, seja realizada pelo oficial de registro de imóveis do local do imóvel ou pelo Registrador de Títulos e Documentos do local do imóvel ou do domicílio do inadimplente ou inadimplentes.
8. QUALIFICAÇÃO
Após a fase de qualificação positiva pelo oficial de registro, o procedimento será registrado na matrícula do imóvel em questão. É responsabilidade do registrador, utilizando seu julgamento prudente baseado na lei e nos atos normativos administrativos, verificar a autenticidade dos documentos e garantir a segurança jurídica dessa transmissão imobiliária.
No entanto, caso ocorra uma qualificação negativa, será emitida uma nota devolutiva que conterá de forma clara e objetiva a data, identificação e assinatura do oficial ou preposto responsável, além de informar os obstáculos para o prosseguimento do procedimento e os meios para superá-los. Essa nota fundamentada de deferimento não pode ser contestada por meio de uma dúvida registrária.
9. REGISTRO
Conforme o § 3º do art. 216-B da Lei 6.015/1973, alterado pela Lei 14.382/2022, após a análise dos documentos mencionados no § 1º desse mesmo artigo, o oficial de registro procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, utilizando a promessa de compra e venda, a cessão ou o instrumento que comprove a sucessão como título.
Se a propriedade estiver registrada em uma matrícula existente, o registro pode ser feito diretamente nessa matrícula, com o número de ordem correspondente. Por outro lado, se a propriedade estiver registrada em uma transcrição, uma nova matrícula deve ser aberta com base nos elementos contidos no registro anterior e no título do procedimento administrativo.
No caso de destaque de uma parte da propriedade, essa informação deve ser averbada na transcrição ou matrícula anterior, e será necessário realizar uma retificação para apurar a área remanescente do imóvel original. Se não houver mais disponibilidade na matrícula, a averbação também incluirá o encerramento dessa matrícula.
Além disso, os compromissos de compra e venda firmados antes da entrada em vigor da Lei 6.015/1973, que ocorreu em 1976, serão averbados. Isso se deve ao fato de que, na época, o sistema de escrituração adotado era baseado na pessoa dos contratantes, conhecido como “folha pessoa”, e os compromissos de compra e venda eram averbados no Livro 8 – Registro Especial em relação a loteamentos.
10. CONCLUSÃO
Em resumo, o presente artigo explorou o instituto da adjudicação compulsória, seu procedimento extrajudicial e sua relação com o sistema de registros públicos. Verificou-se a importância desse instituto na garantia da segurança jurídica nas transações imobiliárias, especialmente nos casos de compromisso de compra e venda de lotes.
Ao longo do artigo, foi destacada a evolução legislativa que conferiu ao compromisso de compra e venda a natureza de direito real à aquisição, visando proteger o compromissário comprador de futuras alienações ou ônus sobre os lotes objeto do contrato.
Através do procedimento de retificação, usucapião e adjudicação compulsória, regulamentados pela Lei de Registros Públicos, é possível garantir a efetividade da transmissão imobiliária e a segurança dos direitos envolvidos. O registro desempenha um papel fundamental na publicidade e oponibilidade erga omnes dos direitos reais sobre imóveis.
No caso específico da adjudicação compulsória, o procedimento extrajudicial permite a transmissão do imóvel para o compromissário comprador após a comprovação do inadimplemento do promitente vendedor. Esse procedimento oferece uma alternativa eficiente e menos burocrática para regularizar a situação jurídica do imóvel.
No entanto, caso haja impugnação por parte do promitente vendedor ou de terceiros, o procedimento extrajudicial pode ser encaminhado para as vias ordinárias, respeitando-se as tentativas de conciliação ou afastando impugnações infundadas.
Após a qualificação positiva pelo oficial de registro, o registro do domínio em nome do promitente comprador é efetuado na matrícula do imóvel, garantindo a segurança jurídica da transmissão. Por outro lado, se a qualificação for negativa, é emitida uma nota devolutiva com os obstáculos identificados, permitindo ao requerente corrigir as irregularidades.
Por fim, o presente artigo ressalta a importância da atuação qualificada e imparcial do oficial de registro, que exerce um papel essencial na análise dos documentos e na garantia da segurança jurídica das transações imobiliárias. O registro imobiliário é um instrumento fundamental para prevenir litígios e assegurar a confiança dos envolvidos no mercado imobiliário.
Conclui-se, portanto, que a adjudicação compulsória, por meio do procedimento extrajudicial, promove a estabilidade dos fatos e a proteção da confiança legítima dos terceiros no tráfego imobiliário, contribuindo para a segurança jurídica do sistema registral brasileiro.
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